quinta-feira, 10 de julho de 2008

Globalização: Perversidade e Fábula III

Continuando (depois de muito tempo) os questionamentos sobre a Globalização...

"Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada." (Theodor Adorno "Minima Moralia")

Qual o papel dos estudantes acadêmicos nessa Globalização? Qual será o nosso papel na transformação ou até na criação dessa fábula? Na dissimulação dessa perversidade? Somos cúmplices ou contrários ao processos que nos cercam e que já foram enunciados anteriormente. Não existe "muro" para que os "intelectuais" fiquem acima das questões terrenas, muito menos, um "mundo das idéias", perfeito e inacessível. Todos as ciencias, todo o conhecimento é contornado e delimitado através de matrizes políticas. Ou "trocando em miúdos", através de escolhas que fazemos ou através de "não-escolhas". Por que certos trabalhos são relevantes à academia e outros não?

Milton Santos coloca que o Brasil cada vez mais forma letrados e não intelectuais, entenda-se intelectuais como aqueles comprometidos com a procura pela verdade e não pelo mercado, aqueles que tentam criticar a economia, a história (ou o seu fim), a química, a arqueologia, a física e a sociedade imposta. São intelectuais engajados, tem responsabilidade política e social, são formadores e não ferramentas, e principalmente, pensam no destino e no fim que suas pesquisas tem. Os letrados, são aqueles que seguem suas teorias ao sabor do mercado, como lojas, são também protegidos dos buro-professores (termo cunhado por Milton) e tem sobretudo apoio das instituições privadas em suas pesquisas. São técnicos por demais, apolíticos por demais, alienados (por mais que este termo seja utilizado em outros contextos) por demais e desengajados por demais. Em suma, não se importam se sua pesuisa vai ser utilizada por uma grande corporação e vendida ao restante da população ou se vai ser distribuída gratuitamente.

Nossas universidades cada vez formam técnicos, formam letrados, e não intelectuais críticos com sua ciência e com sua metodologia, ou seja são "torres de marfim" onde os alunos não vêem uma conexão entre seu objeto de estudo e a realidade que está a sua volta. Sua capacidade de crítica e autonomia é reduzida e relativa. Como já foi colocado aqui, o mito da competitividade e da "guerra-total" na sociedade aqui também foram incubados sendo as intrigas entre os letrados frequentes mostrando o quanto nossas instituições são podres e decadentes. O conhecimento é a última preocupação em nossa torre de marfim.
A ausencia de intelectuais no Brasil é atestada pela nossa apatia e apoliticidade, a política existe em toda sociedade e na ciência que é o estudo dela não é diferente, temos que mostrar que a política está presente em tudo e elevar a população a um grau maior de participação na nossa pretensa "democracia", um conceito vazio e anacrônico, que assim como a liberdade ou a cidadania são elevados a uma categoria de "Santa de altar" nas palavras de José Saramago, e que na verdade são conceitos que não existem mais.

"Entre o conhecimento e o poder existe não só a relação de servilismo, mas também de verdade. Muitos conhecimentos, embora formalmente verdadeiros, são nulos fora de toda a proporção com a repartição de poderes. Quando o médico expatriado diz- "Para mim, Adolf Hitler é um caso patológico" - o resultado clínico acabará talvez por confirmar o seu juízo, mas a desproporção deste com a desgraça objectiva que, em nome do paranóico, se espalha pelo mundo faz de tal diagnóstico, com que se incha o diagnosticador, algo ridículo. Talvez Hitler seja "em si" um caso patológico, mas certamente não "para ele". A vaidade e a pobreza de muitas manifestações do exílio contra o fascismo ligam-se a este facto. Os que expressam os seus pensamentos na forma de juízo livre, distanciado e desinteressado são os que não foram capazes de assumir nessa forma a experiência da violência, o que torna inútil tal pensamento. O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria." (Theodore Adorno, in "Minima Moralia")

Portanto as relações de poder existem em todos os lugares, não somos inocentes, todos somos ou cúmplices ou contrários. Dessa forma os alunos devem tomar consciência do seu engajamento político-científico, mesmo quando não é buscado. Para que todos nos tornemos intelectuais. Por quê, afinal, viver é tomar partido.

Abraços a todos!

Um outro mundo é possível.

Um comentário:

Dani Hyde disse...

“O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria”.

Acho que essa frase do Adorno resolve todo seu questionamento, Mateus. O Gregory costuma dizer que eu sou extremamente anti-acadêmica e que a forma que vejo as coisas não funcionam na prática. O engraçado é que as maiores conquistas que tive na Academia até hoje foram através desses meus anti-academicismos.

A dicotomia entre letrados e intelectuais é atemporal, e talvez a quantidade de letrados só aumente porque o acesso ao conhecimento é maior, e foi “vendido” como um “portal para o mercado”. O erro não está dentro da Academia, mas fora. O erro parte das pessoas e do motivo pelo qual procuram o conhecimento. A manobra que veio da instituição foi se adaptar a essas contingências. Não podemos esquecer que grupos dominados, dominantes, são todos formados por pessoas, como você mencionou, “com capacidade de escolha, ou não-escolha”.

Não sei quem trabalhou com o conceito de “torre de marfim” que tu utilizaste. Eu reconheço nele (de novo) a fábula da “História Sem Fim”, onde a torre de marfim é a morada da Imperatriz de Fantasia, e o único fragmento desse universo que restou após a devastação do Nada. E de onde é imaginado o primeiro pedido pra que Fantasia nasça novamente. A moral é simples: basta acreditar.

Cabe a nós acreditarmos nos trabalhos que empreendemos. Um por um. Individualmente alcançamos o “socialismo” e vice-versa. Vou terminar com algumas citações do Wilde, em A Alma do Homem sob o Socialismo. Apesar de que esses termos, socialismo, democracia, liberdade... Bem, temos que reinventá-los também.

Abraço!

“A desobediência é, aos olhos de qualquer estudioso de História, a virtude original do homem. É através da desobediência que se faz o progresso, através da desobediência e da rebelião”.

“Frei Damião aproximou-se de Cristo quando partiu para vive com os leprosos, porque nessa missão elevou à perfeição o que nele havia de bom. Ma não se aproximou mais de Cristo do que Wagner ou Shelley, que o fizeram através da música e dos versos. Não há só um único exemplo para o homem. Há tantas formas de perfeição quanto existem homens imperfeitos. Um homem pode ceder às exigências da caridade e ainda ser livre, mas não permanece livre aquele que cede às exigências da conformação”.