domingo, 27 de julho de 2008

Luz vermelha no Rio Grande do Sul


Por Plínio de Arruda SampaioUma luz vermelha se acendeu em todos os setores democráticos com a publicação da ata de uma reunião do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, dedicada à análise da situação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).O motivo do alerta são as propostas aprovadas unanimemente pelos conselheiros: a primeira foi designar uma equipe de promotores para promover ação civil pública visando a dissolução do MST e a declará-lo ilegal.A essa medida draconiana seguem-se outras: suspender deslocamentos em massa de trabalhadores sem terra; impedir a presença de crianças e adolescentes em marchas e acampamentos; investigar acampados e dirigentes do movimento por crime organizado e uso de verbas públicas; verificar ocorrência de desequilíbrio eleitoral nos locais de acampamentos e assentamentos, promovendo, em caso positivo, o cancelamento dos eleitores; intervir em três escolas mantidas pelo MST; verificar se há paridade entre assentamentos e empresas rurais na avaliação do Incra a respeito do cumprimento da função social da propriedade e da produtividade dos imóveis; desativar acampamentos próximos à fazenda Coqueiros.
A simples leitura dessa "Blitzkrieg" de medidas inibidoras da ação dos sem terra deixa perplexos os que se habituaram a ver no Ministério Público uma instituição formada por profissionais do mais alto nível, pois, além de evidentes inconstitucionalidades, o texto está vazado em linguagem imprecisa e, em alguns casos, evidentemente emprestada dos manifestos das organizações ruralistas mais reacionárias.Isso ocorre no momento em que os cultores do Estado democrático de Direito estão preocupados com o ciclo de restrição das garantias e liberdades individuais e coletivas que surgiu com a desvairada reação norte-americana aos atentados do 11 de Setembro. Essa onda reacionária, que já se manifestou igualmente na França, na Itália e em outros países, parece estar chegando ao Brasil e precisa ser energicamente repelida.Não será difícil para os advogados do MST barrar na esfera judicial as medidas propostas na infeliz reunião do Ministério Publico gaúcho. Por isso, não há necessidade de refutá-las uma a uma. O que, sim, demanda consideração pelas pessoas de formação democrática é o grave dano que a injustificada atitude de um braço estadual causa ao Ministério Público de todo o país.Os constituintes de 1988, com plena consciência do passo que estavam dando, talharam de forma inovadora o capítulo do Ministério Público na Constituição Federal. Tratava-se de dotar o Estado brasileiro de uma instituição com poderes adequados à fiscalização e à promoção do cumprimento da lei.Por isso, além das tradicionais atribuições relativas à perseguição criminal, o Ministério Público adquiriu poder para, na defesa de interesses coletivos ou difusos, acionar a Justiça contra pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da administração pública e até Poderes do Estado.
A magnitude desse avanço na concepção do Estado democrático de Direito pode ser medida pela confiança que as organizações populares, as igrejas, os sindicatos, os partidos e os grupos de cidadãos, em todos os cantos do país, passaram a depositar nos promotores de Justiça.Esse conceito tem um preço: imparcialidade, coragem, sintonia total com o texto e o espírito da Constituição. Explicam-se, pois, as manifestações de perplexidade e de indignação de entidades da sociedade civil e, inclusive, de associações de promotores de Justiça de várias partes do país diante do tom raivoso e sectário do Ministério Público gaúcho.A proposta de jogar o MST na ilegalidade é insensata e revela crasso desconhecimento do papel que esse movimento desempenha no grave conflito agrário do país. Como a burguesia brasileira imagina que possa sobreviver uma população de milhões de pessoas sem terra para produzir o seu sustento, sem emprego no campo, sem emprego na cidade e sem reforma agrária?Ao organizar a pressão dessa população, o MST lhes oferece a esperança que mantém a disputa dentro de parâmetros compatíveis com a vida democrática.
Exagerar a gravidade dos atos de desobediência civil que o movimento promove para sensibilizar a opinião pública é estratégia dos grandes proprietários. Não tem o menor cabimento que um órgão do Estado a encampe.As pessoas que têm elevada consideração pelo Ministério Público esperam uma reação enérgica dos membros da corporação contra o que constitui, sob qualquer ângulo de análise, uma deturpação das atribuições que a Constituição conferiu à instituição.


*Plinio de Arruda Sampaio, de 78 anos, é advogado, presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). (Artigo pubicado na Folha de S.Paulo)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Globalização: Perversidade e Fábula III

Continuando (depois de muito tempo) os questionamentos sobre a Globalização...

"Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada." (Theodor Adorno "Minima Moralia")

Qual o papel dos estudantes acadêmicos nessa Globalização? Qual será o nosso papel na transformação ou até na criação dessa fábula? Na dissimulação dessa perversidade? Somos cúmplices ou contrários ao processos que nos cercam e que já foram enunciados anteriormente. Não existe "muro" para que os "intelectuais" fiquem acima das questões terrenas, muito menos, um "mundo das idéias", perfeito e inacessível. Todos as ciencias, todo o conhecimento é contornado e delimitado através de matrizes políticas. Ou "trocando em miúdos", através de escolhas que fazemos ou através de "não-escolhas". Por que certos trabalhos são relevantes à academia e outros não?

Milton Santos coloca que o Brasil cada vez mais forma letrados e não intelectuais, entenda-se intelectuais como aqueles comprometidos com a procura pela verdade e não pelo mercado, aqueles que tentam criticar a economia, a história (ou o seu fim), a química, a arqueologia, a física e a sociedade imposta. São intelectuais engajados, tem responsabilidade política e social, são formadores e não ferramentas, e principalmente, pensam no destino e no fim que suas pesquisas tem. Os letrados, são aqueles que seguem suas teorias ao sabor do mercado, como lojas, são também protegidos dos buro-professores (termo cunhado por Milton) e tem sobretudo apoio das instituições privadas em suas pesquisas. São técnicos por demais, apolíticos por demais, alienados (por mais que este termo seja utilizado em outros contextos) por demais e desengajados por demais. Em suma, não se importam se sua pesuisa vai ser utilizada por uma grande corporação e vendida ao restante da população ou se vai ser distribuída gratuitamente.

Nossas universidades cada vez formam técnicos, formam letrados, e não intelectuais críticos com sua ciência e com sua metodologia, ou seja são "torres de marfim" onde os alunos não vêem uma conexão entre seu objeto de estudo e a realidade que está a sua volta. Sua capacidade de crítica e autonomia é reduzida e relativa. Como já foi colocado aqui, o mito da competitividade e da "guerra-total" na sociedade aqui também foram incubados sendo as intrigas entre os letrados frequentes mostrando o quanto nossas instituições são podres e decadentes. O conhecimento é a última preocupação em nossa torre de marfim.
A ausencia de intelectuais no Brasil é atestada pela nossa apatia e apoliticidade, a política existe em toda sociedade e na ciência que é o estudo dela não é diferente, temos que mostrar que a política está presente em tudo e elevar a população a um grau maior de participação na nossa pretensa "democracia", um conceito vazio e anacrônico, que assim como a liberdade ou a cidadania são elevados a uma categoria de "Santa de altar" nas palavras de José Saramago, e que na verdade são conceitos que não existem mais.

"Entre o conhecimento e o poder existe não só a relação de servilismo, mas também de verdade. Muitos conhecimentos, embora formalmente verdadeiros, são nulos fora de toda a proporção com a repartição de poderes. Quando o médico expatriado diz- "Para mim, Adolf Hitler é um caso patológico" - o resultado clínico acabará talvez por confirmar o seu juízo, mas a desproporção deste com a desgraça objectiva que, em nome do paranóico, se espalha pelo mundo faz de tal diagnóstico, com que se incha o diagnosticador, algo ridículo. Talvez Hitler seja "em si" um caso patológico, mas certamente não "para ele". A vaidade e a pobreza de muitas manifestações do exílio contra o fascismo ligam-se a este facto. Os que expressam os seus pensamentos na forma de juízo livre, distanciado e desinteressado são os que não foram capazes de assumir nessa forma a experiência da violência, o que torna inútil tal pensamento. O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria." (Theodore Adorno, in "Minima Moralia")

Portanto as relações de poder existem em todos os lugares, não somos inocentes, todos somos ou cúmplices ou contrários. Dessa forma os alunos devem tomar consciência do seu engajamento político-científico, mesmo quando não é buscado. Para que todos nos tornemos intelectuais. Por quê, afinal, viver é tomar partido.

Abraços a todos!

Um outro mundo é possível.